segunda-feira, julho 10

Portugal "resultadista" e batalhador


Parece que assim a frio é a melhor forma de digerir a participação da selecção nacional neste mundial de futebol. No calor eufórico e contagioso das vitórias sobre a Holanda e a Inglaterra, seria fácil embarcar nos delírios de gigantismo que assaltam os portugueses de tempos a tempos.



Friamente, acho que Portugal fez uma boa campanha que excedeu as expectativas da maior parte de nós.
Uma boa campanha do ponto de vista dos resultados, sublinhe-se. Porque do ponto de vista exibicional,Portugal limitou-se a aderir aos "cânones" deste Mundial - prioridade á organização defensiva, à posse de bola e ao "controlo do jogo".
Se calhar foi graças a esta filosofia pragmática e resultadista de Scolari que fomos tão longe, mas eu cá ainda sou dos velhos românticos que prefere o Portugal como "Brasil da Europa", a jogar bonito, futebol apoiado,de troca de bola, o Portugal das vitórias morais que tombava sempre injustamente, mas encantava o mundo do futebol, como o fez esta selecção nos Europeus de 1984, 1996 e 2000.


Nisto da selecção nacional de futebol há dois tipos de pessoas - aquelas que são cegamente a favor, fanáticas de uma espécie de simbolismo nacional, patrioteiro foleiro, e os outros que como eu, gostam da selecção nacional de futebol, mas gostam mais de futebol.
Eu amo mais o desporto do que a minha selecção, apesar de torcer, sofrer e me irritar com ela, é por isso que sou bem mais exigente do que aqueles que aclamam como heróis nacionais, um grupo de trabalho, que na minha opiniõa ficou abaixo do seu enorme potencial e não soube explorar o seu talento.

Portugal foi neste Mundial, uma espécie de Itália, com matreirice (tantos mergulhos para a piscina já metiam nojo), organização e sobretudo uma identidade e um espírito de sacrifício, que convenhamos, nunca havíamos tido em nenhuma selecção nacional. Isto aliado a alguma dose de sorte (friamente, as vitórias sobre o México, a Holanda e a Inglaterra só foram possíveis porque em momentos determinantes os deuses e Ricardo nos favoreceram), permtiu-nos disputar as meias-finais com a França em pé de igualdade, sem temores.
E foi no único jogo que merecíamos ter sorte, em que acabamos por não a ter, com aquele penalti bem tirado por Henry e aquela cabeçada falhada por Figo a ditarem o azar do jogo.

Para bem dos resultados e para o mal do futebol apresentado (é verdade que estivemos longe de ser os únicos a mostrar mau futebol), o senhor Scolari foi o grande responsável por esta campanha.
Estou à vontade porque gosto do homem, respeito o treinador e admiro o líder, mas a verdade é que Scolari é uma espécie de Trappatoni brasileiro, para quem as equipas se constroem de trás para a frente, e não havendo frente há nossa senhora do Caravaggio e muita fé!

Portugal mostrou ser feito assim, à sua imagem. Boas movimentações defensivas, ocupação do espaço no meio-campo com linhas mais recuadas (por isso a preferência por um Costinha sem ritmo), uma tremenda concentração e espírito competitivo. Mentalidade de combate, mais do que desportiva, foi o grande legado que Scolari deixou ao futebol português.
Depois de Scolari jogamos de igual para igual com qualquer selecção do mundo, sem sermos assolados pelo estigma Fernando Mamede, ou por um estatuto de inferioridade que em momentos capitais pode acabar connosco.

Desta vez, não tivemos medo da Inglaterra, da França e nem de ninguém e isso é uma conquista de Scolari, uma vitória para a construção de uma nova mentalidade.
Só faltou a outra parte - a do bom futebol - que apareceu a espaços, com um belíssimo carrocel, com a bola a circular de pé, para pé, encostando as linhas adversárias aos seus sectores mais recuados, oscilando o jogo entre os flancos, mas com a bola a circular pelo miolo.

Obviamente que não tivemos capacidade de perfuração, foi aflitiva a impotência atacante de Portugal, a barreira invisível dos últimos trinta metros ergueu-se de uma forma nunca vista, e para mim a culpa dessa impotência é mais de Deco do que de Pauleta.
Eram esses dois jogadores que tinham de fazer o trabalho de pivot junto à área adversária, e Pauleta foi deixado "sózinho em casa", no meio de centrais como Rio Ferdinand-John Terry, ou Thuram/Gallas - esforço inglório para um avançado nitidamente desenquadrado com o tipo de jogo que este mundial e esta selecção nacional exigia, e que um jogador como Nuno Gomes serviria muito melhor, como se viu nos breves 30 minutos com a Alemanha.

Deco demasiado recuado e sem os seus truques de mágico para enfeitiçar os adversários, foi presa fácil para Vieira e Makelele, e para Frings.
Ou seja, a capacidade de perfurar as linhas adversárias ficou entregue exclusivamente a Cristiano Ronaldo e Figo, que optaram quase sempre por encarrilhar o jogo até um beco sem saída pelos flancos, ou a um Maniche generoso e com capacidade para se desmultiplicar em tarefas ofensivas e em ser ele o verdadeiro maestro do meio-campo português com passes longos para os flancos a tentar montar um "carrocel" que nunca funcionou a todo-o-vapor.

Faltou a Portugal uma dinâmica de ataque tão boa como a sua organização defensiva e a sua mentalidade brava e batalhadora para poder discutir o título com a Itália.
O triste é que Portugal era a única selecção presente nas meias-finais capaz de defender e interpretar o verdadeiro futebol arte, e ao renegar a natureza tecnicista do seu próprio futebol, acabou por não o poder fazer. É pena.
Ainda assim parabéns à selecção que nos proporcionou mais um mês de alegre sofrimento.


PS: Concordo com o Malvado, acho que Quaresma e também João Moutinho podiam ter dado opções mais interessantes de banco do que Hugo Viana ou Boamorte, e também acho que as duas tentativas de colocar Cristiano Ronaldo a jogar a "striker" foram um disparate, porque perdemos capacidade de explosão na alas. Foi um modelo que só foi testado em jogos de "mata-mata" no Mundial, o que é pouco convincente para uma selecção que se preparava para isto há dois anos.

PS2: O futuro da selecção passa pela construção de uma frente de ataque, e a realidade é que com a reforma ou a entrada em idade de reforma de jogadores como Pauleta e Nuno Gomes, Portugal fica sem avançados.
O ideal é começar já a trabalhar já num novo modelo que coloque uma dupla de ataque constituída por Cristiano Ronaldo (acho que rotinado é coisa para resultar) e apostar tudo no escuro em Hugo Almeida, porque para os flancos sobram Simão e Quaresma, e para o miolo estamos bem servidos para os próximos anos - Deco, Maniche, Petit (ainda faz mais um mundial, querem apostar), Tiago, Hugo Viana, João Moutinho, Nani, Manuel Fernandes.
O futuro começa hoje com ou sem Scolari.