segunda-feira, julho 10

Zidane e Figo - o fim de uma era



Aquele abraço no final do Portugal-França entre Zidane e Figo foi também um gesto derradeiro para uma era no futebol. Aqueles que foram, na minha modesta opinião, os dois melhores e mais influentes futebolistas da última década, representam também um modelo de atleta que está em extinção, e para o qual não se vêem sucessores aparentes. Três qualidades comuns aos dois: Dedicação extrema e disciplinada ao desporto, notória na cuidadosa preparação física e entrega competitiva a cada jogo, como o demonstrou este Mundial em que ambos os "velhinhos" mostraram mais pernas que muitos miúdos de 20 anos. Cultura táctica e inteligência de jogo - ambos sabem ler perfeitamente um jogo de futebol, as suas dinâmicas, os seus tempos de jogo, as movimentações adversárias e a melhor forma de avançarem sobre as linhas inimigas, são portanto genuínos estrategas, generais no campo de batalha, e por fim a qualidade que os distingue de todos os outros - o individualismo doseado suportado na técnica incomparável- Neste capítulo, Zidane destaca-se de Figo e coloca-se num Olimpo só acessível a homens como Pélé, Maradona e talvez, Ronaldinho Gaúcho (que lhe falta um pouco das anteriores qualidades. Zidane sabe que futebol é um jogo colectivo, mas também sabe que é dotado de uma técnica extraordinária que lhe permite criar desiquilibrios e não ter medo de enfrentar uma barreira de adversários. Ele sabe que a sua técnica deve ser colocada ao serviço da equipa, não por vaidade ou exibicionismo, mas porque sabe, que o individualismo é vantajoso para a sua equipa, quando aplicado no momento e na dose certa (ao contrário de Cristiano Ronaldo, que tem ainda muito de aprender no que respeita ao "timming" do génio). Zidane é genial nessa abordagem ao jogo e ficará para a história como um dos jogadores mais difíceis de roubar a bola, e também aquele com a recepção de bola mais perfeita na história do futebol, a chamada recepção direccionada, em que a recepção é já um acto ofensivo. Eu avalio sempre a qualidade técnica dos jogadores pela eficácia com fazem a recepção de bolas longas ou tensas. Há aqueles que dão um toque de um metro - suficiente para os defesas ganharem posição e fazerem o corte, e há aqueles que têm mel nas botas, Zidane não tinha mel, tinha cola industrial.
Figo, por seu turno é um jogador que mesmo perdendo capacidade de explosão e de pique ao longo dos anos, foi prudente ao ponto de ir apurando outros aspectos técnicos do seu futebol, como a precisão do passe, e a fina mais curta e menos exigente do ponto de vista físico, e se repararmos bem, ainda hoje é um jogador muito difícil de travar qualdo embalado por uma das alas.
Com o fim da carreira de Figo e Zidane, dois dos mais elegantes jogadores de futebol que eu já vi jogar, chega ao fim uma era de ouro para o futebol. Temo que não haja, de momento, sucessores à altura.


PS: É pena que Zidane tenha acabado a sua carreira, que foi sempre um modelo de correcção e de fair-play, com uma cabeçada e uma expulsão na final de um campeonato do mundo, mas perdoem-me os politiccamente correctos - até a cabeçada teve estilo, a forma como ele recua dois passos para Materazzi, e lhe dá uma verdadeira marrada no peito é um gesto digno de arena de gladiadores, já que Materazzi, "il porco" tatuado como um guerreiro, é um sucedâneo de gladiador moderno tão perfeito como Zidane.

PS2:Se Pélé marcou a década de 60, Cruwyff a de 70, Maradona a de 80, Zidane foi o mais fabuloso jogador da década de 90 e príncipio do novo milénio. Resta saber quem lhe sucede - Ronaldinho Gaúcho é uma possibilidade, mas falta-lhe o cerebralismo de Zidane, por isso eu tenho uma aposta, um "puto" chamado Messi.

2 Comments:

Blogger Bruno Ramos said...

concordo em absoluto. mas como é que se regulamenta a arte (neste caso, a do futebol)? como é que a fifa pode "inventar" regras que condicionem a táctica e a organização de jogo? como é que se "obriga" as equipas a alguma indisciplina táctica que permita que o futebol seja a festa do golo e não a festa do resultado? não se pode regulamentar por decreto a alegria do jogo. talvez fazendo um mundialito só com equipas africanas.

11:26 da tarde  
Blogger Rui Pelejão said...

Não, mas há formas de "abrir" o jogo que merecem ser experimentadas sem o desvirtuar. O Pélé por exemplo sugeriu duas alterações importantes - a dos livres directos perto da área- ele dizia e bem que não era justo fintar cinco adversários e ser derrubado pelo último defesa, para depois a barreira poder ter a equipa adversária toda. O que ele sugeria era uma espécie de livre directo como no hóquei, em que o avançado parte com a bola controlada do local onde foi cometida a falta, com todos os restantes jogadores atrás da linha da bola (excepto o guarda-redes), ou então uma barreira formada apenas pelo último defesa, aquele que cometeu a falta.

É uma ideia um pouco complicada, mas que valia a pena experimentar.
Outra ideia de Pélé é a possibilidade dos lançamentos laterias poderem ser marcados com o pé, o que levaria os defesas a pensar duas vezes antes de despejarem a bola pela linha lateral.

Finalmente, há outra medida que podia funcionar contra o anti-jogo, que me parece a que mais consequências traria ao futebol de ataque, a impossibilidade de atrasar a bola para lá da linha do meio-campo, assim que se transpusesse o meio-campo, isso iria originar muitas perdas de bola, contra-ataques rápidos, e um jogo mais aberto entre as linhas, já que as equipas teriam tendência a defender mais atrás. Não sei, teoricamente, podia funcionar.

12:59 da tarde  

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