sexta-feira, outubro 21

Os linchamentos populares de Alvalade

Acho que pela primeira vez se assistiu em Portugal a um processo sumaríssimo de linchamento público de um treinador e de uma direcção de um clube de futebol. A turba associativa do Sporting mostrou que é tão aristocrática como um taberneiro e comportou-se como a verdadeira povaça dos linchamentos. Comparados com estes gajos, os adeptos do Benfica quase parecem elegantes senhores da alta sociedade. Foi a escumalha, acicatada e ajudada pela deplorável imprensa da especialidade que colocou o nodoso pescoço de Peseiro numa figueira e puxou o nó até ao estrebucho final. Foi a mesma escumalha ululante e a jornais de sangue que enevoaram por completo a visão por vezes lúcida de sportinguistas correctos, que amam o seu clube, e que sabem que a crítica e o descontentamento não se devem confundir com banditismo organizado.
Bons sportinguistas, como aqueles que temos os prazer de ter aqui no Sobola, deixaram-se ir com o coro da matilha, e raras vezes tiveram a prudência e a frieza de identificar quais são os reais problemas do Sporting, que transcendem os resultados da equipa de futebol, ou a competência do seu treinador.
O que aconteceu no Sporting foi um autêntico golpe de Estado, e o poder caiu na rua, guilhotinaram-se cabeças e fez-se uma autêntica caça às bruxas, que promete não acabar tão depressa.
É incrível como é que em tão pouco tempo desmorona um edifício de que os sportinguistas se orgulhavam, e de que se gabavam com ares de superioridade em relação aos clubes-plebeus:

- Há bem pouco tempo, o Sporting era o clube, que tinha a gestão mais moderna e racional, que tinha, correctamente apostado no saneamento financeiro do clube, mesmo com eventuais prejuízos desportivos. A mesmíssima gestão que não entrava em loucuras e que preparava um projecto de futuro, sustentado na “cantera” de Alcochete, tentando criar uma espécie de Ajax à portuguesa.

- Há bem pouco tempo, a equipa principal era a que apresentava o melhor futebol em Portugal, a que fazia a melhor pressão alta na Europa, sei lá, um “dream team” construído pelo novo Mourinho que seria José Peseiro. A memória lagarta é curta. Gostava de saber se ainda se conseguem lembrar do treinador que antecedeu o Peseiro, e do tipo de futebol que praticavam?

Assim a conferência de imprensa da passada terça-feira, com o anúncio da demissão de Peseiro constitui uma página negra na história de um clube centenário, precisamente no ano do seu centenário. A turba venceu, e já se sabe quando o poder cai na rua, tudo é possível. Ao contrário dos sportingustas fanáticos e dos comentadores profissionais, julgo que Dias da Cunha mostrou ser um verdadeiro senhor e ter uma fibra de seriedade que muita falta faz ao nosso futebol cheio de intrujões e falsários. Da mesma forma que acho de ultrajante injustiça e indecorosa a forma como se escorraçou José Peseiro, que é também um homem sério e que merecia o respeito de todos os homens sérios e de bem, sportinguistas ou não.

Para mim as razões da injustiça e da precipitação são óbvias:
- O Sporting construiu no ano passado uma excelente equipa, apresentou um futebol como não praticava há muitos anos, veloz, moderno e orientado para uma filosofia de ataque. Fez aquilo que qualquer clube de futebol com a dimensão do Sporting deve fazer pelos seus adeptos – deu-lhes prazer e orgulho. Só não lhes deu títulos “o sustento dos treinadores”, e pior deixou-os à beirinha dos títulos. Para quem tem memória curta, o Sr. Peseiro levou o Sporting a uma final europeia quarenta anos depois… eu repito QUARENTA ANOS depois, e mais, levou o Sporting a lutar pelo título até à última jornada, um título que recordo também, o Sporting só conquistou por duas vezes nos últimos 25. Eu repito por duas vezes nos últimos 25!
E há mais, em apenas 16 meses o Sr. Peseiro teve a coragem de lançar um punhado de novos valores na equipa principal, como a jóia Moutinho, como Custódio, ou até como Nani e Varela que podiam lutar por um lugar no onze este ano. Mas há mais. O Sporting perdeu este ano um senhor chamado Rochemback, o único jogador de verdadeira classe internacional e peso (às vezes até demais da equipa), e além disso ficou sem Hugo Viana, que foi importante em muitos bons momentos no anos passado, e Enakarire, o melhor central leonino e Pedro Barbosa, o jogador que podia mudar o destino de um jogo. Tudo para ficar com um Liedson contrariado e com um plantel claramente desiquilibrado, que nem as entradas de Wender e João Alves vieram resolver. Depois é bom nem falar da onda de lesões, que obrigou o Peseiro a inventar, o que quase sempre lhe corre mal. Mas a verdade nua e crua é que o Sporting não tem equipa para aspirar a mais do que lutar por um lugar na Liga dos Campeões, e por isso acho que a onda de contestação começou num jogo com o Setúbal (que ganharam) e nunca mais deixou de pairar uma pressão inadmissível sobre uma equipa que venceu o seu principal rival e que estava perto da liderança do campeonato. O desaire com o Halmstad acontece nas melhores famílias, e com a Udinese é consequência natural da superioridade italiana. Por isso não vejo drama nenhum a não ser na mania das grandezas típica da lagartada. Têm a mania que são o Real Madrid, e que têm de ganhar todos os anos.
Ora, nem o Real Madrid ganha todos os anos e nem o Sporting tem dimensão suficiente para ser um clube sistematicamente ganhador. Exigir isso como fazem os sportinguistas constituiu uma pressão que tem efeitos perversos, como o Sporting e o meu Benfica tão bem sabem. O Sporting não aprendeu com os erros no passado e parece estar disposto a embarcar já na cantiga do bandido e a aclamar o primeiro vendedor de promessas que aparecer a dizer – Vamos ser campeões.

O que é muito engraçado nisto tudo é que o que os sportinguistas agora queriam era um treinador que ganhasse à rasca como o Trapattoni, e uns dirigentes meio intrujas como o Luís Filipe Vieira e o outro sócio.
Era no fundo isso que os sportinguistas queriam.
Queriam era ser o maior clube de Portugal, lamentavelmente o cargo está ocupado com carácter vitalício. Sapateiro fica-te pelo sapato.
De qualquer forma, desejo as melhoras ao lagarto ferido, porque nisto de crises, o melhor é não gozar, porque nunca se sabe quando é que nos bate à porta.

1 Comments:

Blogger Rui Pelejão said...

este reni é para a azia, ou é um novo trinco para o Sporting?

8:08 da tarde  

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