terça-feira, maio 24

O glorioso passado e o futuro

Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas que o Benfica mereceu ganhar este campeonato. A justiça fez-se sobretudo com os desaires dos outros, mas essa é a história dos outros campeões recentes (à excepção do Porto de Mourinho).
Mas, agora em tempo de festa é bom não esquecer este deserto que atravessámos. Esta é a melhor altura para perceber que este Benfica está longe de ser aquele Benfica com que todos sonhámos. Este foi para desfazer o enguiço, aproveitando uma oportunidade rara criada por um FC Porto em total desconstrução, com uma gestão desportiva calamitosa, e um Sporting claramente inflacionado e inconsistente (o jogo como o Nacional, mostra a fibra dos lagartos).

O deserto que o Benfica atravessou é da responsabilidade dos presidentes e dirigentes que passaram pelo clube, e que se serviram dele para se promoverem, para se encherem e para depauperarem um património de credibilidade e respeito.

Quando se fala do desastre Vale de Azevedo, esquece-se aquele que foi o grande coveiro da instituição, que a deixou à beira da ruína.
O senhor Manuel Damásio, um charlatão de primeira apanha, alcandorado no senhor Gastar Vamos. Esses dois respeitáveis pulhazitos das negociatas e das charutadas, que ainda têm a pouca-vergonha de aparecer com a distintíssima lata, dizendo que finalmente o Benfica regressa aos título, já que o último foi sob a sua tutela.

Ora, a cova do Benfica foi sendo cavada por uma sucessão de intrujas que ascenderam à presidência por vontade democrática dos sócios, sempre prontos a embarcarem nas ilusões e sonhos de qualquer vendedor da banha da cobra.
A vida do clube na última década foi marcada pela trafulhice organizada em torno das transferências de jogadores e as várias comissões que untaram as mãos de treinadores, dirigentes e empresários. Numa década, passaram pelo Benfica perto de duas centenas de jogadores, ouviram bem duas centenas.
Contam-se pelos dedos de uma mão as aquisições de verdadeira e insuspeita qualidade -o resto é tralha.
A gestão desportiva do clube da Luz, através dos seus vários responsáveis (sem excepção) foi um autêntico desastre.
Só para termos uma ideia vejamos os jogadores que o Benfica não quis ou julgou não estarem à altura do clube da águia - Deco, Jardel, Mário Stanic, Mostovoi, Maniche, só para falar dos mais emblemáticos. É obra!


Apesar de tudo o paradigma de gestão não se alterou, apenas se tornou desportivamente mais eficaz. Além da oportunidade e do acaso, o que explica o regresso do Benfica aos títulos não é a visão do Sr. Vieira ou a estratégia do Sr. Veiga. A única honra que lhes faço é terem sabido dar estabilidade a um plantel e a uma equipa que se revolucionava todos os anos.
Se repararem bem o onze inicial desta época é muito idêntico ao do ano passado. Os reforços foram meras operações cosméticas de baixo custo e de rodagem para posterior venda (caso de Luisão). Esta estabilidade, forjada na ideologia trabalhista de Camacho, e cimentada na lógica da aritmética astuta de Trapattoni explica que o Benfica tenha chegado ao título, o que aconteceu única e exclusivamente porque o Porto viveu a ressaca de Mourinho e a insanidade de Pinto da Costa (desconfio que se Vitor Fernandez tivesse continuado, outro galo cantaria).


Em tempo de festa é bom fazer já este líbelo e gravá-lo na memória, para estarmos todos bem preparados para o futuro.
- O Sr. Vieira e o Sr. Veiga não estão à altura de uma instituição como o Benfica, eles estão lá ao serviço dos seus próprios interesses duvidosos, que podem, ou não ser coincidentes com o Benfica.
O maior clube português continua a não ter um centro de estágios como deve ser, e um departamento de formação digno desse nome - veja-se os frutos que o Sporting retira desse trabalho.
As energias do clube estiveram na última década exclusivamente dedicadas a dar caça ao fantasma. Agora que ele foi caçado é tempo de construir a casa do futuro, e planear estratégia desportiva e empresarial que permita que o Benfica esteja sempre na primeira linha de luta pelo título, independentemente do momento de forma ou a conjuntura dos seus rivais.
Nem Vieira nem Veiga estão à altura desse desafio.

É natural que agora haja dinheirama fresca para torrar em mais Paulos Almeidas, Evertons, Karades, Yanickes e outros que tais, mas não é disso que o Benfica agora precisa. O Benfica já pode jogar sossegado sem a pressão do título, sem o fantasma a correr atrás da bola. Por isso este era um momento histórico para fazer uns estados-gerais do Benfica, aprender com os erros do passado e projectar o futuro.
Sei que isto é utópico, mas enquanto homens como Humberto Coelho, Mega Ferreira ou mesmo Bagão Félix, andarem afastados da vida do clube, ele não será mais do que um condomínio privado de vaidosões, desejosos de aparecer.

A anunciada e atabalhoada contratação de Camacho mostra que o caminho escolhido é o errado. Camacho e Trapattoni foram as duas pessoas certas no momento certo, que cosntruiram uma equipa moldada para sofrer na esmolinha do pontinho, mas evidentemente sem estofo ou estatura de grande equipa. A desculpa do plantel ser curto e os jogadores fraquinhos não serve para tudo.
Na minha opinião, o Benfica tem já um bom esqueleto para formar uma grande equipa de futebol - só lhe falta músculo e imaginação.
Quim, Miguel, Luisão, Ricardo Rocha, Petit, Manuel Fernandes, Simão, Nuno Gomes e Mantorras parecem-me primeiras linhas bem aceitáveis para montar uma "estrutura", depois João Pereira, Alcides, Dos Santos, Geovanni e Nuno Assis, também me parecem bons "segundas linhas". Só falta o resto, e o resto é um lateral-esquerdo com características ofensivas, mais um trinco à Petit, um número 10 à Rui Costa, um extremo-veloz e que saiba centrar (não há ninguém no Benfica que saiba fazer um centro como deve ser) e evidentemente um ponta-de-lança a sério. Estamos a falar de cinco jogadores, e estamos a falar de falta de génio.
Isto e um treinador moderno e "científico", capaz de analisar potencial físico e de talento e montar uma equipa de movimento e circulação de bola.
O Benfica já foi campeão, agora só lhe falta praticar bom futebol, o que não acontecerá se Camacho for o treinador. Trata-se de um homem de berro para o campo e de manha à antiga, mas incapaz de discernir, criar e pensar um sistema de jogo.
Com Camacho voltaremos a ter mais do mesmo, e é pena, porque a história tem tendência a repetir-se e os erros também. Sem a pressão do título o Benfica podia abrir um novo capítulo do seu futuro, mas ou muito me engano, vai, infelizmente continuar a viver agarrado ao seu passado. É pena.